Há vários motivos para
você ensinar seus alunos a escrever de forma correta. Além de estimular o
aprendizado da língua oficial do país, o conhecimento das normas
ortográficas ajuda a garotada a superar o medo de se expressar por
escrito e, diferentemente do que muitos acreditam, não afeta em nada a
criatividade. Ao contrário. No momento em que dominam as palavras com
segurança, as crianças não precisam parar a toda hora para verificar a
grafia e podem voltar toda a atenção para o desenvolvimento da história.
E isso vale desde as primeiros anos do Ensino Fundamental.
Qual a hora certa de ensinar ortografia |
Postagem escrita por: Paulo Araújo
Os primeiros passos
O ensino da ortografia
deve ter início assim que o estudante começa a entender o sistema de
escrita alfabética - de preferência ainda na 1ª série. Isto é, quando
tiver aprendido o valor sonoro das letras e já puder ler e escrever
pequenos textos.
Segundo o professor
Artur Gomes de Morais, do Centro de Educação da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), é preciso deixar bem claro para os alunos que todas
as regras ortográficas são fruto de uma convenção social, de um acordo
estabelecido pelos especialistas cujo objetivo é padronizar a escrita - e
que, no mundo em que vivemos, quem não domina essa convenção é
discriminado. "Por isso, não deixe a criança acreditar que vai aprender
‘na hora certa’. Desde os primeiros momentos é papel do professor
ajudá-la a refletir sobre os erros ortográficos", afirma. "Só assim ela
internaliza as regras, que, por serem aparentemente complexas, vão
desafiá-la por toda a vida."
Morais alerta também
para o fato de que o domínio da escrita alfabética nem sempre é
homogêneo em cada sala de aula e que o número de erros num texto nunca
deve ser usado como parâmetro de avaliação.
Durante a última década,
o professor pernambucano pesquisou o tema em escolas espanholas e
brasileiras sob a orientação da educadora argentina Ana Teberosky e
percebeu que explorava um terreno árido em que coexistem falsas crenças,
dúvidas, sentimentos de insegurança - e muito autoritarismo -, tanto
por parte de quem ensina a língua escrita como de quem precisa usá-la na
escola e fora dela. "Quem não cria oportunidades de reflexão sobre as
dificuldades ortográficas do idioma não pode nunca exigir que o aluno
escreva certo", ensina Morais em seus livros de formação.
Refletir sobre a escrita
Estudo realizado há
cinco anos em Pernambuco sob a orientação da professora Lucia Lins
Browne Rego e da psicóloga Lair Levi Buarque, do Departamento de
Psicologia da UFPE, detectou algumas fontes de dificuldade na
aprendizagem de regras ortográficas. No trabalho, 79 crianças do Ensino
Fundamental de escolas públicas e particulares do Recife escreveram um
ditado de palavras reais e inventadas, no meio de frases, que exigiam o
uso de r, rr, ç, s e outras letras consideradas difíceis. O aluno
recebia um papel com frases incompletas. Os examinadores liam cada uma,
ditavam as palavras faltantes e explicavam caso a caso as
irregularidades que porventura as crianças encontrassem.
Quando comparadas com
crianças que não tinham sido expostas a esse tipo de intervenção
(escrever refletindo sobre a grafia das palavras), as pesquisadas
demonstraram ampla superioridade no entendimento das regras. "O desafio
maior do professor é elaborar situações didáticas que permitam à turma
compreender as conexões entre a língua e a ortografia", aconselha Lucia.
"Com alguma criatividade, é possível transformar esse ‘patinho feio’
que sempre foi a ortografia numa atividade prazerosa."
Psicogênese
O professor Paulo
Francisco Slomp, do Departamento de Educação da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, desenvolve desde 1996 um trabalho para averiguar se é
possível falar em psicogênese (origem e evolução psíquica) da
ortografia nas crianças, se existe um padrão no modo pelo qual um
recém-alfabetizado encara as normas ortográficas e se há níveis de
desenvolvimento cognitivo proporcionais à apropriação dessas normas.
"Uma forma muito comum
de enfrentar uma dúvida na hora de escrever é não solucioná-la,
substituindo a palavra que nos é difícil por um sinônimo", exemplifica
Slomp. "Com isso, o problema imediato se resolve, mas chega um momento
em que essa saída não é mais possível." Ele também lembra um hábito
quase natural de decidir a grafia de certas palavras apresentando duas
versões (pretenciosa/pretensiosa, por exemplo) para chamar a atenção
para o contraste e obter, de memória, a grafia correta. "Desconheço a
origem desse método de resolução, mas acredito que ele não provém de
nenhuma teoria clássica sobre o conhecimento", relativiza Slomp,
levantando uma questão para ser pensada por todo professor.
Teoria
A convenção que unifica a
escrita das palavras em Língua Portuguesa exige algum esforço para ser
compreendida. Observe abaixo os casos mais freqüentes, seguidos de
exemplos práticos.
Regulares — São
as palavras cuja grafia podemos prever e escrever, mesmo sem
conhecê-las, porque existe um "princípio gerativo", regra que se aplica à
maioria das palavras da nossa língua. As correspondências regulares
podem ser de três tipos:
Diretas — Inclui a
grafia de palavras com p, b, t, d, f e v (exemplo: pato, bode ou
fivela). Não há outra letra competindo com elas, mas é comum a criança
ter dificuldade para usá-las por causa do pouco conhecimento da
pronúncia.
Contextuais — A
"disputa" entre o r e o rr é o melhor exemplo desse tipo de
correspondência. A grafia que devemos memorizar varia em função do som
da letra. Por exemplo: para o som do "r forte", usamos r tanto no início
da palavra (risada), como no começo de sílabas precedidas de consoante
(genro). Quando o mesmo som de "r forte" aparece entre vogais, sabemos
que temos que usar rr (carro, serrote). E, quando queremos registrar o
outro som do r, que alguns chamam de "brando", usamos só um r, como em
careca e braço. Essa variedade explica por que, a princípio, as crianças
têm tanta dificuldade.
Morfológico-gramaticais —
Nesse caso são os aspectos ligados à categoria gramatical da palavra
que estabelecem a regra com base na qual ela será escrita. Por exemplo:
adjetivos que indicam o lugar onde a pessoa nasceu se escrevem com esa
(francesa, portuguesa), enquanto substantivos derivados se escrevem com
eza (certeza, de certo; avareza, de avaro). Na maioria dos casos essas
regras envolvem morfemas (partes internas que compõem a palavra),
sobretudo sufixos que indicam a família gramatical.
Irregulares — Não
há regras que ajudem o estudante a escrever corretamente. A única saída
é memorizar a grafia ou recorrer ao dicionário. Elas se concentram
principalmente na escrita:
• do som do s (seguro, cidade, auxílio);
• do som do j (girafa, jiló);
• do som do z (zebu, casa);
• do som do x (enxada, enchente);
• o emprego do h inicial (hora, harpa);
• a disputa entre e, i , o e u em sílabas átonas que não estão no final de palavras (seguro, tamborim);
• ditongos que têm pronúncia "reduzida" (caixa, madeira, vassoura etc.).
Texto adaptado do livro Ortografia: Ensinar e Aprender, de Artur Gomes de Morais
A língua é viva, muda sempre
A ortografia é uma
invenção mais ou menos recente. Há 300 anos, línguas como o francês e o
espanhol não tinham uma ortografia. No caso da nossa língua — o
português —, as normas de escrita das palavras, tanto no Brasil como em
Portugal, só surgiram no século XX. E vêm sendo reformuladas de tempos
em tempos. Até a reforma ortográfica de 1940, escrevíamos "pharmácia",
"rhinoceronte", "encyclopédia", "architetura" etc. Em 1971 tivemos uma
minirreforma que eliminou os acentos diferenciais ("tôrre" virou
"torre") e graves em palavras como "sòmente" e "fàcilmente".
Fonte: Nova Escola
Há vários motivos para
você ensinar seus alunos a escrever de forma correta. Além de estimular o
aprendizado da língua oficial do país, o conhecimento das normas
ortográficas ajuda a garotada a superar o medo de se expressar por
escrito e, diferentemente do que muitos acreditam, não afeta em nada a
criatividade. Ao contrário. No momento em que dominam as palavras com
segurança, as crianças não precisam parar a toda hora para verificar a
grafia e podem voltar toda a atenção para o desenvolvimento da história.
E isso vale desde as primeiros anos do Ensino Fundamental.
Qual a hora certa de ensinar ortografia |
Postagem escrita por: Paulo Araújo
Os primeiros passos
O ensino da ortografia
deve ter início assim que o estudante começa a entender o sistema de
escrita alfabética - de preferência ainda na 1ª série. Isto é, quando
tiver aprendido o valor sonoro das letras e já puder ler e escrever
pequenos textos.
Segundo o professor
Artur Gomes de Morais, do Centro de Educação da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), é preciso deixar bem claro para os alunos que todas
as regras ortográficas são fruto de uma convenção social, de um acordo
estabelecido pelos especialistas cujo objetivo é padronizar a escrita - e
que, no mundo em que vivemos, quem não domina essa convenção é
discriminado. "Por isso, não deixe a criança acreditar que vai aprender
‘na hora certa’. Desde os primeiros momentos é papel do professor
ajudá-la a refletir sobre os erros ortográficos", afirma. "Só assim ela
internaliza as regras, que, por serem aparentemente complexas, vão
desafiá-la por toda a vida."
Morais alerta também
para o fato de que o domínio da escrita alfabética nem sempre é
homogêneo em cada sala de aula e que o número de erros num texto nunca
deve ser usado como parâmetro de avaliação.
Durante a última década,
o professor pernambucano pesquisou o tema em escolas espanholas e
brasileiras sob a orientação da educadora argentina Ana Teberosky e
percebeu que explorava um terreno árido em que coexistem falsas crenças,
dúvidas, sentimentos de insegurança - e muito autoritarismo -, tanto
por parte de quem ensina a língua escrita como de quem precisa usá-la na
escola e fora dela. "Quem não cria oportunidades de reflexão sobre as
dificuldades ortográficas do idioma não pode nunca exigir que o aluno
escreva certo", ensina Morais em seus livros de formação.
Refletir sobre a escrita
Estudo realizado há
cinco anos em Pernambuco sob a orientação da professora Lucia Lins
Browne Rego e da psicóloga Lair Levi Buarque, do Departamento de
Psicologia da UFPE, detectou algumas fontes de dificuldade na
aprendizagem de regras ortográficas. No trabalho, 79 crianças do Ensino
Fundamental de escolas públicas e particulares do Recife escreveram um
ditado de palavras reais e inventadas, no meio de frases, que exigiam o
uso de r, rr, ç, s e outras letras consideradas difíceis. O aluno
recebia um papel com frases incompletas. Os examinadores liam cada uma,
ditavam as palavras faltantes e explicavam caso a caso as
irregularidades que porventura as crianças encontrassem.
Quando comparadas com
crianças que não tinham sido expostas a esse tipo de intervenção
(escrever refletindo sobre a grafia das palavras), as pesquisadas
demonstraram ampla superioridade no entendimento das regras. "O desafio
maior do professor é elaborar situações didáticas que permitam à turma
compreender as conexões entre a língua e a ortografia", aconselha Lucia.
"Com alguma criatividade, é possível transformar esse ‘patinho feio’
que sempre foi a ortografia numa atividade prazerosa."
Psicogênese
O professor Paulo
Francisco Slomp, do Departamento de Educação da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, desenvolve desde 1996 um trabalho para averiguar se é
possível falar em psicogênese (origem e evolução psíquica) da
ortografia nas crianças, se existe um padrão no modo pelo qual um
recém-alfabetizado encara as normas ortográficas e se há níveis de
desenvolvimento cognitivo proporcionais à apropriação dessas normas.
"Uma forma muito comum
de enfrentar uma dúvida na hora de escrever é não solucioná-la,
substituindo a palavra que nos é difícil por um sinônimo", exemplifica
Slomp. "Com isso, o problema imediato se resolve, mas chega um momento
em que essa saída não é mais possível." Ele também lembra um hábito
quase natural de decidir a grafia de certas palavras apresentando duas
versões (pretenciosa/pretensiosa, por exemplo) para chamar a atenção
para o contraste e obter, de memória, a grafia correta. "Desconheço a
origem desse método de resolução, mas acredito que ele não provém de
nenhuma teoria clássica sobre o conhecimento", relativiza Slomp,
levantando uma questão para ser pensada por todo professor.
Teoria
A convenção que unifica a
escrita das palavras em Língua Portuguesa exige algum esforço para ser
compreendida. Observe abaixo os casos mais freqüentes, seguidos de
exemplos práticos.
Regulares — São
as palavras cuja grafia podemos prever e escrever, mesmo sem
conhecê-las, porque existe um "princípio gerativo", regra que se aplica à
maioria das palavras da nossa língua. As correspondências regulares
podem ser de três tipos:
Diretas — Inclui a
grafia de palavras com p, b, t, d, f e v (exemplo: pato, bode ou
fivela). Não há outra letra competindo com elas, mas é comum a criança
ter dificuldade para usá-las por causa do pouco conhecimento da
pronúncia.
Contextuais — A
"disputa" entre o r e o rr é o melhor exemplo desse tipo de
correspondência. A grafia que devemos memorizar varia em função do som
da letra. Por exemplo: para o som do "r forte", usamos r tanto no início
da palavra (risada), como no começo de sílabas precedidas de consoante
(genro). Quando o mesmo som de "r forte" aparece entre vogais, sabemos
que temos que usar rr (carro, serrote). E, quando queremos registrar o
outro som do r, que alguns chamam de "brando", usamos só um r, como em
careca e braço. Essa variedade explica por que, a princípio, as crianças
têm tanta dificuldade.
Morfológico-gramaticais —
Nesse caso são os aspectos ligados à categoria gramatical da palavra
que estabelecem a regra com base na qual ela será escrita. Por exemplo:
adjetivos que indicam o lugar onde a pessoa nasceu se escrevem com esa
(francesa, portuguesa), enquanto substantivos derivados se escrevem com
eza (certeza, de certo; avareza, de avaro). Na maioria dos casos essas
regras envolvem morfemas (partes internas que compõem a palavra),
sobretudo sufixos que indicam a família gramatical.
Irregulares — Não
há regras que ajudem o estudante a escrever corretamente. A única saída
é memorizar a grafia ou recorrer ao dicionário. Elas se concentram
principalmente na escrita:
• do som do s (seguro, cidade, auxílio);
• do som do j (girafa, jiló);
• do som do z (zebu, casa);
• do som do x (enxada, enchente);
• o emprego do h inicial (hora, harpa);
• a disputa entre e, i , o e u em sílabas átonas que não estão no final de palavras (seguro, tamborim);
• ditongos que têm pronúncia "reduzida" (caixa, madeira, vassoura etc.).
Texto adaptado do livro Ortografia: Ensinar e Aprender, de Artur Gomes de Morais
A língua é viva, muda sempre
A ortografia é uma
invenção mais ou menos recente. Há 300 anos, línguas como o francês e o
espanhol não tinham uma ortografia. No caso da nossa língua — o
português —, as normas de escrita das palavras, tanto no Brasil como em
Portugal, só surgiram no século XX. E vêm sendo reformuladas de tempos
em tempos. Até a reforma ortográfica de 1940, escrevíamos "pharmácia",
"rhinoceronte", "encyclopédia", "architetura" etc. Em 1971 tivemos uma
minirreforma que eliminou os acentos diferenciais ("tôrre" virou
"torre") e graves em palavras como "sòmente" e "fàcilmente".
Fonte: Nova Escola
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